Max abriu os olhos quando a luz do sol bateu diretamente na sua cara. Resmungou contrariado consigo mesmo por ter se esquecido de fechar a cortina da janela na noite anterior. Com um movimento lento, sentou-se na cama. A boca amarga pedia pela escovação matinal. Espreguiçou-se e, em seguida, jogou-se no assoalho. Fez as cinquenta flexões costumeiras tentando lembrar se tinha pó de café em casa.
Caminhou até a janela e olhou em volta. O céu apresentava poucas nuvens e exibia um azul cheio de vida. Olhou para baixo. Tudo parecia normal. Dali, do segundo andar da confortável casa que fechava a vila, podia observar o jardim e sua fonte, os muros altos, protegidos pela cerca elétrica, e o portão de ferro que encerrava o terreno largo.
Inspirou com satisfação o ar da manhã.
Sentiu vontade de urinar. Subiu no parapeito, agarrou-se à janela e baixou a bermuda. Deixou o mijo jorrar à vontade. Até a última gota. Balançou-se, subiu a bermuda e desceu da janela. Foi até o banheiro, onde escovou os dentes com calma e tomou uma ducha rápida. Voltou ao quarto envolto na toalha para apanhar uma bermuda limpa e passou em frente à janela.
Algo chamou sua atenção. Recuou um passo, voltando para a janela.
Espremeu os olhos, tentando fixar a visão. Lembrou dos binóculos que estavam sempre ali, ao pé da janela. Apanhou-os rapidamente e ajustou o foco.
Ela estava lá. No portão.
Cabelos negros, lisos e longos, escorridos sobre a blusa que um dia havia sido branca e que agora, tanto quanto a calça jeans que vestia, estava empapada de sangue e lama. E mesmo sem boa parte do lado esquerdo do tórax, ela se balançava segurando a grade do portão. Era Daniela.

- Vai trabalhar, vagabunda – disse Max, jogando os binóculos na cama.

Vestiu uma bermuda limpa, uma camisa leve de algodão, calçou as sandálias e apanhou o rifle. Checou se as janelas dos outros dois quartos do andar superior continuavam trancadas e desceu. Como de costume, verificou as trancas da porta da frente e das duas portas dos fundos. Prosseguiu para as janelas. Tudo em perfeito estado. Completado o “tour” matinal, foi até a despensa e apanhou um pote de café solúvel, uma caixa de leite e um pacote de bolachas de água e sal.

- Vamos esbanjar um pouco, por que não?

Colocou o rifle sobre a mesa e preparou rapidamente o café simples. Em seguida sentou-se e comeu pacientemente.
Foi até a estante de apanhou um blu-ray da pilha. “Torneio Mortal 8”. O último da série, lógico. Enquanto colocava o cd no player, ficou imaginando se o protagonista da série, o ator Jason Crusher ainda estava vivo por aí, matando zumbis. Ah, um cara durão como ele devia estar. Com certeza estava. Imaginou Jason matando a zumbizada adoidado, salvando as últimas mulheres vivas do mundo e sendo bem recompensado depois.
E ele ali sozinho.
Algumas coisas nem o apocalipse zumbi mudava.
Lembrou de Daniela e decidiu dar uma olhada no portão da frente antes de sentar para assistir ao filme pela décima terceira vez. Saiu da casa carregando o rifle. Atravessou o jardim com passos largos. Ela não estava no portão.

- Dani? Ei, dani? – chamou falando baixo.

Foi então que ouviu os ruídos. Levantou o rifle e ficou em posição de tiro. Aproximou-se cuidadosamente da grade do portão.
O corpo de Daniela estava espalhado pelo chão. Seus braços estavam jogados à esquerda, enquanto o restante recebia rápidas e incisivas machadadas de um homem desconhecido. Com três golpes ele dilacerou a cabeça da zumbi.

- EI! EI! Pára com isso, cara! Porra! – gritou Max.

O homem, como despertado de um transe, olhou para ele com olhos vermelhos e esbugalhados. Parecia um mendigo com aquela barba desgrenhada e cabelos encaracolados. Suas roupas eram simples e sujas e o machado na mão completava aquele quadro típico de psicopata de filme americano. Hesitou um pouco, como se mal compreendesse que Max não era outro zumbi. Então conseguiu falar:

- Calma, irmão! Calma! Ela era zumbi! Não era gente, não!
- Eu sei que ela era zumbi. E faz tempo. Pelo menos dois meses... – respondeu Max ainda mirando o homem.
- E-eu queria entrar e ela tava na frente, forçando o portão...
- Pff... Ela nunca conseguiria arrombar esse portão. Nem quando tava viva.
- V-você... conhecia ela?
- Ah, conheci, sim.
- Oh, e-eu... e-eu... me desculpe... ela me viu... ia me morder...
- Tá, cara. Eu sei que ela ia te morder...
- Então tem que entender... eu só me defendi! Você teria fe...
- Porra, eu disse que conhecia, e não que era amigo dela. Na verdade, ela era uma das vagabundas mais boçais que já conheci, então, que se foda.
- Parente? Vizinha?
-Ah, Vizinha.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, observando os pedaços de Daniela.

- Hm, então... Meu nome é... – principiou o mendigo.
- Para, para... não me interessa.
- O quê?
- Não me interessa o teu nome.
- Mas, eu... Você pode abrir o portão?
- Tá doido?
- Hã?
- Olha, cara, eu não vou abrir essa porra de portão, não.
- M-mas eu preciso entrar! Aqui fora tá cheio de zumbi! Você é a primeira pessoa viva que vejo em três dias!
- Vou te dizer uma coisa: te manda.
- Não faz isso, cara. Abre o portão, por favor! Peloamorde...
- Agora todo mundo é cristão... Sai fora, cara! Tu já me deu prejuízo bastante.
- Prejuízo? Como assim?
- Tá vendo aqueles sacos de areia lá na entrada da vila? Aqueles que tu tirou do lugar pra entrar?
- Sim...
- Pois é, EU que botei eles ali. Fileiras de cinco sacos empilhados já barram a maioria dos zumbis que perambulam por aí. E tu desarrumou.
- Eu arrumo de volta! Eu juro! Só abre o portão!
- Não é só isso, cara. Eu deixava a fedorenta aí do lado de dentro da vila por que ela se balançando por aqui não atraía a atenção de outras pessoas. A maioria passaria, veria como um lugar abandonado ou contaminado e iria embora. E tu acabou com a minha funcionária.
- ...
- Entendeu, né? Não tô a fim de companhia... Quer dizer, tô, mas tem que ser mulher.
- Não é possível... Você não está entendendo! Se eu ficar aqui fora, vou morrer!
- Vai mesmo. Se ficar AÍ fora, EU te dou um tiro no meio da cara. Vai, anda, some!

Max apontou a arma para a cabeça do mendigo. O homem segurou o machado com força. Quase cedeu a um impulso louco de arremessar o machado, arriscando a mínima chance de um arremesso perfeito que fizesse a ferramenta passar pela grade e acertasse a cabeça de Max. Quase. Sentiu uma raiva impotente.

- Não faz isso... me ajuda... – ainda lamuriou o mendigo.
- Sai fora – respondeu Max.

Pesaroso, o mendigo olhou em volta em busca de alguma ajuda que não viria. Algo inesperado que convencesse Max a abrir o portão. Sem ajuda e sem acontecimento inesperado, apenas com a boca do rifle lhe encarando, deu as costas e começou a caminhar em direção à saída da vila. Com trinta passos alcançou a linha dos sacos de areia.
Max continuou observando pela mira telescópica o mendigo se afastar. O homem havia parado logo após a entrada da vila e parecia avaliar em que direção deveria ir e olhava desorientado de um lado para outro.
“Tsc, vai logo embora. Não me arranja mais problema.”
O mendigo continuava parado, de costas para a vila.
“Ah, cara. Some duma vez.”
Coçava a cabeça. Apertava o estômago.
“Não tenha ideias. Não pense em como estou limpo, ou em como pareço bem alimentado...”
O mendigo na entrada da vila olhava para o céu. Parecia mais cansado ainda.
“...não imagine que tenho uma despensa grande, ou segurança...”
“...ou que poderia voltar a noite e acabar comigo pra ficar com tudo...”
O disparo fez a cabeça do mendigo explodir. Pedaços do seu cérebro e ossos foram cuspidos até o outro lado da rua. O corpo tombou na calçada.
Max continuou observando ainda por vinte minutos para se certificar de que nenhum zumbi havia sido atraído pelo disparo. Nenhum morto-vivo apareceu. Talvez a vizinhança estivesse melhorando.
***
O dia passou rapidamente. Havia assistido ao “Torneio Mortal 8” antes de almoçar. Depois subira até o telhado, onde ficou plantado por horas, vasculhando os arredores com os binóculos em busca de qualquer movimento estranho. Detectara alguns zumbis se arrastando a esmo, mas nada preocupante. Nenhum sinal de vivos. Ao entardecer, desceu até um dos quartos, convertido em sala de musculação, e realizou uma série de exercícios com pesos.
Tomou um banho demorado. Passou pelo corredor ignorando as cinco longas prateleiras recheadas de livros. Procurou novamente por algum filme decente na pilha, mas desta vez encontrou apenas filmes estranhos ou que pareciam ter sido feitos especialmente para mulheres ou homossexuais. Resolveu que no dia seguinte iria até a loja de dvds do outo quarteirão. Poderia dar sorte desta vez e os zumbis já terem abandonado o local.
Verificou todas as portas e janelas da casa. Fechou uma por uma antes de tirar um cochilo. Dormiu por algumas horas e, quando acordou, já era próximo de meia-noite. Decidiu montar guarda no telhado novamente. Vestiu uma calça e uma camisa pretas e subiu.
Caminhou cuidadosamente como sempre sobre as telhas coloniais até o local onde costumeiramente montava sentinela. Sentou-se sobre a lona que mantinha no local e cruzou as pernas. Algumas luzes das ruas ainda acendiam automaticamente ao anoitecer e forneciam alguma iluminação, então a escuridão não era total.
Observou a entrada da vila com o binóculo. Uma mulher loura estava de pé observando o corpo do mendigo.
Max aumentou o zoom. A mulher não se arrastava como um zumbi. Ela respirava pesadamente e estava apoiada nos sacos de areia. Parecia muito cansada. Ela olhou para a vila. Parecia curiosa.
Max apanhou rapidamente a lanterna que mantinha no telhado. Suas mãos tremiam. Hesitou. Seria uma mulher viva mesmo? E se ela estivesse infectada? E se fosse alguma louca? E se estivesse armada? Deveria fazer contato ou deixa-la ir?
Parte da decisão foi tirada de suas mãos, pois a mulher rapidamente decidira entrar na vila e começou a correr até o portão. Movimentando o binóculo, Max descobriu o porquê. Dois zumbis haviam percebido a mulher e agora se aproximavam dos sacos de areia.
Max resolvera arriscar. Se não fosse a escuridão, atiraria do telhado mesmo, mas o rifle não tinha mira de visão noturna. Decidiu descer e fazer alguma coisa. Desceu aos tropeções.
Quando Max chegou ao jardim, a mulher já tentava inutilmente forçar o portão, enquanto chorava desesperada. Ao ver o homem, seus olhos se arregalaram e uma fagulha de esperança atravessou seu rosto.

- Ei! Me ajude! ME AJUDE! – ela resolveu gritar.

Max correu até o portão. Ergueu o rifle e fez mira no zumbi mais próximo, que já alcançara a metade do caminho da entrada da vila até o portão da casa. Fez um disparo preciso. O zumbi caiu para trás, por cima do outro que se aproximava. O segundo zumbi tropeçou sobre o primeiro e caiu de cara as pedras que calçavam a rua. Mesmo assim o morto-vivo não perdeu tempo em tentar se arrastar até a pretensa vítima, deixando um rastro de sangue, saliva e outros fluidos corporais. Um segundo disparo de Max encerrou o esforço da criatura.
A mulher tremia da cabeça aos pés. Segurava a grade do portão com tanta força que os nós dos dedos estavam esbranquiçados.

- Abre! Abre! Abre! – pediu ela murmurando alucinadamente.
- Calma! Eram só esses dois aí. Não tem mais nenhum na vila – disse Max.
- ABRE! ABRE!
- Peraí, calma. Não é assim, não...
- Abre, por favor! ABRE!
- Olha, moça... Eu posso abrir... Mas antes tenho que ter certeza de que você não foi mordida por nenhum desses bichos...
- ABRE!
- Não tá me ouvindo, não? Sem ter certeza que você tá limpa, eu não abro.
- Eu não fui mordida! Abre!

Max ligou a lanterna e iluminou melhor a mulher. Ela aparentava cerca de vinte e cinco anos, tinha cabelos louros e médios, olhos azuis. Vestia uma blusa amarela e calças jeans. Devia ter cerca de um metro e setenta e parecia um pouco magra para a altura, mas, nesses dias difíceis, ninguém era exemplo de boa forma.

- Tá... Mas eu tenho que ter certeza, entende? – insistiu Max.
- Eu já disse que...
- Tira a roupa.
- O quê?
- Tira a roupa. Toda. É o único jeito de eu ter certeza de que não tem nenhuma mordida.
- Seu filho da puta...
- Não engrossa, não. Tô te dando uma chance.

Barulhos distantes apressaram a decisão da mulher. Com rapidez ela tirou a blusa e jogou-a no chão. Abriu a calça jeans ao mesmo tempo em que esfregava os pés para tirar os tênis. Tirou a calça e encarou Max vestindo apenas o sutiã e a calcinha brancos.

- Eu falei tudo, não enrola – reclamou Max.
- Seu psicopata desgraçado! Olhe! Olhe! – vociferou a mulher, dando voltas e exibindo o corpo sob a luz da lanterna.
- Tudo. Ou some.

Com ódio nos olhos, a mulher tirou o sutiã e a calcinha com violência, expondo-se totalmente.
Excitado com a situação, Max gesticulou para que ela fizesse uma volta completa lentamente. Pediu para ver até os solados dos pés. Realmente, constatou com alívio, ela estava limpa.

- Junte suas roupas. Vou abrir o portão. Depressa!

Max abriu os cadeados e desenrolou a corrente com destreza. Moveu o portão apenas o suficiente para a mulher nua passar, carregando suas roupas. Fechou-o em seguida, certificando-se três vezes de ter trancado todos os cadeados.
A mulher vestiu-se desajeitadamente. Em seguida ajoelhou-se no gramado. Arfava pesadamente. Tremia. Caiu num choro incontrolável. Max receou que ela convulsionasse.

- Hã... é melhor a gente entrar... O barulho e o movimento podem atrair a atenção... – disse.

A garota procurou controlar-se. Tentou suprimir o choro, enquanto limpava as lágrimas dos olhos com as costas das mãos. Balançou a cabeça, concordando com o homem. Levantou-se devagar e pôs-se a caminhar em direção a casa.
Max seguiu-a mantendo três passos de distância. Ela parecia ainda menor do que ele avaliara. Calculou que, se precisasse, poderia dominá-la sem grande esforço. Mas teria que cuidar para que ela não encontrasse nenhuma arma. Não facilitaria com a estranha.
Lentamente ela chegou até a varanda larga. Olhou rapidamente para os dois Corollas na garagem e foi direto para a porta de vidro da casa. Empurrou a porta rapidamente e entrou. Max passou logo em seguida e fechou a porta atrás de si.

- Bem vinda à minha humilde residência – disse Max.

A mulher nada disse. Apenas olhava em volta, mapeando o ambiente.

- Quer comer alguma coisa?
- E-eu... quero.
- Beleza. Senta aí. Vou buscar.

Sem dar as costas para a mulher, Max baixou o rifle sob o balcão da cozinha. Tirou do armário e colocou no micro-ondas uma lasanha pronta. Enquanto a comida era preparada, observava constantemente a visita pela abertura do balcão que fazia ligação da cozinha com a sala. A mulher continuava examinando o ambiente com os olhos. Max abriu a gaveta de talheres e apanhou uma faca e uma colher. Colocou a faca escondida na própria calça e baixou a colher sobre o balcão. Após o “bip” do micro-ondas, retirou a lasanha do aparelho e despejou sobre uma travessa. Juntou a colher, uma cerveja razoavelmente gelada e levou tudo para a companhia inesperada.
A mulher agarrou a comida e devorou tudo em segundos. Bebeu a cerveja de um só gole também.

- Ei, calma. Aprecia a comida que não é todo dia que vai ter esse luxo – reclamou Max.

Mesmo assim ela não diminuiu o ritmo. Só olhou para Max depois que terminara toda a refeição. Lambia os dedos quando perguntou:

- Como... Como você ainda tem essas coisas? Lasanha quente, cerveja gelada?...
- A despensa tá cheia. E tenho um gerador a diesel lá nos fundos. Deixo ligado algumas luzes, a geladeira e a tv. No ritmo que eu uso, o diesel deve durar mais um ou dois meses.
- Hmm... E... Há quanto tempo está aqui?
- Hã? Ah... Eu... Eu moro aqui faz cinco anos... É...
- Cinco anos... Tá sozinho?
- É, tô... Tinha família, mas todo mundo se mandou quando deu a merda zumbi dois meses atrás. Eu preferi ficar. Tenho tudo aqui e é melhor do que virar fugitivo pelo mundo. Além dos zumbis deve ter muita gente maluca lá fora. E você?
- Eu morava em uma cidade próxima. Estive tentando voltar já faz mais de um mês, mas tudo lá fora está louco mesmo...
- Ei, qual teu nome?
- Ah, é Claudia.
- Beleza, Claudia. Sou o Max. Desculpe o mau jeito, mas a situação tá foda...
- Não, tá... Eu entendo... Obrigada por me deixar entrar.
- É... Hã... Sabe como é, um pouco de companhia sempre é bom...

Max não pôde evitar olhar para Claudia da cabeça aos pés. Ela lhe parecia a mulher mais bonita do mundo, e talvez fosse, levando em conta que só tinha encontrado mulheres aos pedaços nos últimos meses. Percebendo seu olhar intimidador, Claudia abraçou o próprio corpo.

- Er... Quer tomar um banho? Tem um banheiro aqui e mais dois lá me cima. E tem um armário cheio de roupas da minha... mãe... que você pode usar também.
- Quero... obrigada...

Max levou à Claudia até uma das suítes vazias do andar superior. Deixou que ela subisse na frente e manteve os olhos sempre vigilantes.
Claudia entrou no quarto cautelosamente. Olhou para as paredes forradas com um papel decorativo cor de rosa, cheio de flores amarelas. Uma cama de solteiro muito bem arrumada estava colada a uma das paredes. Parecia intocada há muito tempo, mas a janela fechada não tinha deixado acumular tanta poeira nela. Um grande guarda-roupa branco dominava toda uma parede do quarto e, do outro lado, uma penteadeira branca e vazia com um grande espelho refletia Claudia.

- Nesse guarda-roupa aí tem muita roupa de mulher. Não sei se elas são do seu tamanho, mas aí também não dá pra exigir muito, né? Pega o que quiser. O banheiro é ali – disse Max apontado para a porta ao lado da penteadeira.

Claudia apenas balançou a cabeça em sinal de entendimento, sem se virar para Max.

- Hã, ok... Vou te deixar à vontade. Vou ficar por aí... Qualquer coisa, me chama.

Desta vez ela não respondeu. Apenas permaneceu de pé, imóvel. Max encostou a porta com cautela. Recuou até a escada sem dar as costas para a porta do quarto. Não podia saber se Claudia era alguma maluca, nem pelo que ela tinha passado lá fora e o que isso tinha feito com a cabeça dela. Todo cuidado era pouco. Mas teriam tempo para conversar e ele descobriria tudo. Isso. Conversariam. Ela relaxaria e eles ficariam numa boa.
Pensou em trancá-la no quarto, mas isso poderia deixa-la mais estressada. Resolveu trancar seu próprio quarto, onde ficava a munição e o revolver. Desceu e trancou a gaveta de talheres, examinado se nenhuma faca havia ficado largada pela cozinha. Tudo limpo. A única faca que restara era aquela escondida nas suas costas.
Max escutava atentamente, sentado ao pé da escada, mas passou-se uma hora sem qualquer indicio de movimento no andar superior. Ele estava excitado pela presença da mulher, mas ao mesmo tempo assustado. Fazia tempo que não convivia com outra pessoa. Aguardou.
Uma hora depois, quando o relógio bipou duas da madrugada, decidiu subir. O suspense o estava matando. Retirou a faca do cós da calça e pisou pé ante pé, procurando minimizar qualquer ruído, até alcançar a porta do quarto de Claudia.
A porta estava fechada. Segurou a maçaneta com firmeza e girou-a lentamente. Abriu a porta alguns centímetros. Foi o suficiente para perceber a mulher deitada na cama. Max soltou o ar, aliviado. Ela estava deitada de costas para a porta, as pernas encolhidas. Ela vestia uma camiseta branca e um short curto, de tecido leve e semitransparente.
Max entrou no quarto, hipnotizado pela imagem da mulher deitada ali. Segurava a faca com a mão trêmula de excitação. Aproximou-se da cama e sentiu o perfume que exalava daquele corpo recém banhado. Fresco, cabelos úmidos ainda, cheiro de creme hidratante. Quase podia sentir a maciez daquela carne mesmo sem tocá-la. Ajoelhou-se ao lado da cama.
Estendeu a mão livre e desenhou no ar o contorno do corpo feminino. Não resistiu mais e tocou no braço de Claudia com a ponta dos dedos. Nenhuma reação. Desceu os dedos pelo braço longo e firme. Espalhou os dedos sobre a cintura dela, massageando de leve, sentindo cada centímetro daquela pele alva. Claudia gemeu baixinho. Então o homem passou a mão pela nádega dela e apertou-a firmemente. A mulher gemeu e estendeu as pernas. Max continuou a exploração descendo a mão pela coxa roliça. Claudia virou-se para cima. Seus olhos azuis pareciam brilhar na penumbra. Max baixou a faca e tratou de apalpar os seios médios da loura. Claudia abriu as pernas facilitando o toque do ansioso homem. Max não perdeu tempo, mergulhou a mão entre as pernas da mulher. Claudia contorceu-se e gemeu, aumentando a excitação do momento. A loura passou o braço pelos cabelos de Max, descendo pelo rosto até o pescoço, agarrando-o com firmeza. Max desceu em busca de um beijo. Claudia envolveu-o com os dois braços e puxou-o para si. Quando o sangue quente jorrou, molhou a ambos. A dor começou no pescoço de Max e logo se estendeu por toda a cabeça. A tontura o atingiu rapidamente e ele tombou para trás, ainda ajoelhado.
Claudia sentou-se rapidamente na cama. Estava banhada de sangue. Apertava com força o canivete com que perfurara o pescoço de Max.
Max olhava atônito para a lâmina. Sua mente, mesmo confusa, tentava descobrir de onde havia surgido aquilo. Tinha certeza de ter reunido qualquer arma ou instrumento pontiagudo que estivesse espalhado pela casa fazia semanas. Nunca tinha visto aquele canivete de cabo vermelho. Nunca.

- Sei o que está pensando... O canivete estava aqui. Debaixo da cama. Colado com fita adesiva no estrado – disse Claudia friamente.

Max começou a afogar no próprio sangue. Tentou, mas não conseguia falar.
Claudia levantou-se. A luz da lua que iluminava seu corpo ensanguentado lhe dava um ar macabro, como uma vampira de filme de terror.

- Sabe como encontrei o canivete? É simples. Ele é meu. Está aqui desde os meus quinze anos.

Dor. Dor era tudo o que Max sentia.

- Uma vez, voltando da escola pra casa, fui assaltada ali na porta. O marginal levou a minha bolsa e ainda me apalpou. Fiquei puta da vida. Aí comprei esse canivete e passei a andar com ele no bolso. Um dia, pra minha sorte, o mesmo safado voltou a tentar me assaltar. Era muita coragem do marginal... Só que dessa vez enfiei o canivete na mão dele. O pivete gritou como um doido. Acho que ele nunca tinha sido ferido. Saiu correndo... Aí meu pai descobriu que eu tinha o canivete. Me proibiu de usá-lo. Exigiu que eu o jogasse fora. Mas preferi guardar como recordação. Aí escondi no estrado da cama. Sempre fui assim, sabe? Meu pai me chamava de “rebelde”, “estúpida”... Por isso saí de casa logo que pude. Meu pai não me perdoou. Parou de falar comigo e pelo visto eliminou todas as minhas fotos da casa. Minha mãe ainda mantinha contato e eu, apesar de tudo, sempre me preocupei com eles...

As luzes piscavam em frente aos olhos de Max. Não conseguia ouvir direito o que aquela mulher estava falando.

- Então, você imagina a minha “alegria” ao ver a casa dos meus pais invadida por um filho da puta como você, desfrutando de todo o conforto que eles tinham e se passando por dono de tudo... Sei que eles não estavam aqui quando tudo começou, pois estavam visitando alguns parentes nossos em Campinas. Pode ser que estejam mortos, não sei... Mas com certeza não te deram a casa.

Max podia ver o dia em que encontrara a casa. Confortável, bem localizada, ampla e, principalmente, segura. Despensa cheia, gerador de energia. Coisas de rico. Coisas que agora ele poderia ter.
Mas tudo que é bom, dura pouco, não é?
Max tombou inerte para trás. Soltou um último gemido quando o ar foi expulso dos seus pulmões.
***
            Algumas nuvens teimavam em encobrir o sol, mas mesmo assim ela ajeitou a alça do biquíni e deitou-se sobre a espreguiçadeira. Estendeu a mão para pegar a cerveja, resvalando os dedos no rifle. O pequeno aparelho de som tocava um cd da banda Delete, que era uma de suas favoritas, mesmo que sua mãe sempre chamasse aquilo de “música para idiotas”.
            Subitamente ouviu alguns ruídos vindos do portão. Virou-se e percebeu dois zumbis empurrando-se contra a grade. Levantou-se, empunhando o rifle, e fez mira.
            
            - Desculpa, pessoal, mas a festa é particular.
            
             BLAM.


FIM